O nosso telefonema derramou-se na escuridão
e ficou a reluzir entre o campo e a cidade
como a confusão de uma luta com facas.
Posteriormente, inquieto e extenuado na cama de hotel toda a noite,
sonhei que era a agulha de uma bússola
a tentar orientar-me floresta adentro com um coração às voltas.
Tem paciência. Estás há 34 anos a dizer
palavras, é natural que te canses
do ouro carregado nos dentes ciganos,
do poema. Cala-te um bocado junto ao mar
já tão cansado de lirismo e de piratas amadores,
exausto de motivos para a fina poluição do verso.
Aluga um moinho, compra umas cerejas frescas,
um salpicão, a vinha do tempo dos avós.
Leva contigo um quilo de castanhas, o disco da primeira separação, o teu par de patins amarelos.
Vê se dormes. É preciso dormir — mais do que calar.
Endireita as costas e a mala breve,
rega suficientemente as plantas que vais deixar morrer,
põe-te na estrada, cala-te um bocado.
E faz-nos, a todos, um favor:
Não escrevas uma linha enquanto estiveres lá.
Aquele namorado que tinha
um nome bom: há quanto tempo foi?
A vida resvalante como gelo
e aquele namorado de nome bom
e férias, ficou perdido em luz,
mais de vinte anos.
Deu-me uma vez a mão
um beijo resvalante à hora de deitar
e na pensão. Mas tinha um nome bom.
falava de cinema e calçava de azul
e um bigode curtinho,
que escorregou aceso como gelo
no centro da pensão.
Rasguei as cartas dele
há quinze anos, em dia de gavetas
e de luz, e nem fotografia me ficou
de desarrumação. Mas tinha um nome bom,
falava de cinema e calçava de azul
e resvalou-me quente como gelo
à hora de deitar:
um namorado sem falar
de amor
(que a timidez maior
e o quarto dos meus pais
nessa pensão
no mesmo corredor)