domingo, 27 de setembro de 2015

Regulamento
















interpol | c'mere

 Artigo 1.º Não estacione o coração em becos sem saída (demore o tempo estritamente necessário para largar despedidas ou carregar abraços)

 Artigo 2.º Se beber, com o intuito de se lavar por dentro, não conduza (é quase impossível dar banho ao pensamento sem molhar a lucidez) 

 Artigo 3.º Antes de atravessar a realidade, pare, escute e olhe, certifique-se de que não existem ilusões em contra-mão (descalce os caminhos que já não lhe servem – caminhos são sapatos que a terra nos oferece para descalçar irrealidades) 

 Artigo 4.º Não abra a boca a beijos desconhecidos (especialmente aos conhecidos que se fazem desconhecer) 

 Artigo 5.º Evite adormecer em sonos usados (cansam mais do que subir o infinito a pé) 

 Artigo 6.º Seja mais sonhamor e menos sonhador (a dor não faz falta. Cria ausências) 

 Artigo 7.º Nunca faça amor em locais proibidos, salvo em legítima defesa da saudade. 

 Heduardo Kiesse

(daqui.)

Todos precisamos que nos amem. Porém, alguns infelizes, não sabemos viver para outra coisa. *
















ornatos violeta | chaga

Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.

*

Há meses que vivo rodeada
por uma substância negra e pegajosa
que invadiu a minha casa. As paredes,
o chão, as janelas e os móveis,
a comida, os livros e a roupa,
o teclado do computador, as plantas,
o telefone… Está tudo impregnado
com este pez escuro, o mesmo que respiro
e que me mata pouco a pouco.
Dizem que os venturosos e os néscios
chamam melancolia a esta porcaria
que apodrece o coração e asfixia a alma.

*

No primeiro dia que saí contigo
disseste que o teu trabalho era estranho.
Mais nada. Todavia, eu sentia
a pele a rasgar-se como trapos
de cada vez que me tocavas com a mão.
E os teus olhos pareciam-me punhais
a fazer-me doer os meus.
Daí para a frente foi sempre a mesma coisa:
tu orgulhavas-te da tua arte,
mais subtil e directo em cada dia
e eu nunca percebia nada.
Mas agora sei. Já conheço o teu ofício:
Atirador de facas. A mais certeira
atiraste-ma ao coração.

Amalia Bautista

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

33

























smashing pumpkins | thirty three

Oh, swear to me to put in dreams your trust, and to believe in fantasy alone, and never let your soul in prison rust, nor stretch your arm and say: a wall of stone.

Vladimir Nabokov

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

One night i will say to it: heart, be still, and it will.























radiohead | fake plastic trees

São um erro,
estes braços e pernas
que já não funcionam

Quebraram-se agora
e não há lugar para desculpas.

A terra não nos consola,
só te cobre
se tens a decência de permanecer calado.

O sol não perdoa,
olha e segue o seu caminho.

A noite penetra-nos
através dos acidentes que temos
infligido um ao outro.

A próxima vez que perpetremos
o amor, temos que
decidir primeiro quem vamos matar.

Margaret Atwood

Alguma coisa onde a tua mão escrevesse cartas para chover





















beck | true love will find you in the end

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

Alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

Alguma coisa onde tu ao Norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

Alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar.

António José Forte

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Is this desire enough to lift us higher, to lift above?
















pj harvey | is this desire?

Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

Hilda Hilst

(daqui.)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Despedida























jeff buckley | i know it's over

Avísame cuando dejes de quererme. Cuando ya no te inunden mis recuerdos, cuando se te haya escapado el olor de mi nuca y no me puedas ver corriendo por el jardín. Avisa cuando nuestras canciones solo sean música, cuando el color azul no sean mis ojos y el delantal repose desnudo en el colgador. Me bastará con que una noche, mientras nos lavamos los dientes, me preguntes ¿perdona, te conozco de algo?

Ana Vidal

(daqui.)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Conheço o amor de ouvir falar

sparklehorse & pj harvey | eyepennies

Os meus sentimentos deviam guardá-los, ainda lhe podiam fazer falta, e a mim não me serviam de nada, devia tê-lo aconselhado a guardar os sentimentos, nunca sabemos quando precisamos dos sentimentos, da latinha de fermento que está há anos na despensa, da camisola de lã que não é vestida há mais de cinco Invernos, nunca se sabe quando precisamos de coisas mesmo se nunca as utilizamos, não fosse essa incerteza e punha um anúncio no jornal, vendem-se sentimentos, estado impecável, como novos, oportunidade única, motivo mudança de vida, bom preço.


Dulce Maria Cardoso