quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Com alguma lucidez e paz de espírito

depeche mode | suffer well

Aconteceu, ponto final. Nunca há só uma razão
para estas coisas. Todos vamos secando por dentro.
Mas talvez possamos consertar o poço e salvar
o campo, com alguma lucidez e paz de espírito.

A praia, o clube, o parque de Santa Marta,
o salão animatógrafo, o coreto
duas vezes por semana. A época de banhos
ainda não acabou, excepto algures dentro de nós.

E nem se trata do que aconteceu no passado
ou do que pensamos que pode acontecer no futuro.

Pelo menos acredito nas tuas intenções. As nossas mentiras são velhas,
sabemos dizê-las bem.

Vítor Nogueira 

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Uma voz de ninguém






the cranberries | no need to argue

Com que palavras ou que lábios
é possível estar assim tão perto do fogo
e tão perto de cada dia, das horas tumultuosas e das serenas,
tão sem peso por cima do pensamento?

Pode bem acontecer que exista tudo e isto também,
e não só uma voz de ninguém.
Onde, porém? Em que lugares reais,
tão perto que as palavras são de mais?

Agora que os deuses partiram,
e estamos, se possível, ainda mais sós,
sem forma e vazios, inocentes de nós,
como diremos ainda margens e diremos rios?

Manuel António Pina

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

11 de janeiro de 1948











antony & the johnsons | the guests

foram breves e medonhas as noites de amor
e regressar do âmago delas esfiapava-lhe o corpo
habitado ainda por flutuantes mãos

estava nu
sem água e sem luz que lhe mostrasse como era
ou como poderia construir a perfeição

os dias foram-se sumindo cor de chumbo
na procura incessante doutra amizade
que lhe prolongasse a vida

e uma vez acordou
caminhou lentamente por cima da idade
tão longe quanto pôde
onde era possível inventar outra infância
que não lhe ferisse o coração

Al Berto

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Uma espia na casa do amor










dEUS | nothing really ends

O inimigo de um amor nunca está no exterior,
não é nem um homem nem uma mulher,
mas sim aquilo que nos falta a nós mesmos.

Anaïs Nin

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Num mar de sargaços

portishead | undenied

Passeámos a noite inteira entre sândalos
na noite em que passeámos sem nos olharmos
num bosque de sândalos num mar de sargaços
disse-te eu imerso na noite em que não acreditava
quando acordaste e eu acordei a teu lado
sem noite sem sândalos sem mar em que acreditar
apenas a justa medida de um olhar no lado sombrio
do teu corpo desperto que sonhou no tom adequado
sobre um chão de terra virgem acabado de semear.

Carlos Alberto Machado