lhasa de sela | para el fin del mundo el año nuevo
Vales, ravinas, desertos, e fins de semana, livros a mais, amigos a menos, noites de fumo, de corpos alheios, de novo ravinas, desertos e vales - eu nunca pensei que fosse tão longe e que fosse tão pouco a felicidade: ovos mexidos, arroz de tomate, o ir a correr quando o filme começa, o vem para a cama, um sopro de mel, e novas legendas no álbum de fotos - eu nunca pensei que fosse tão alto este único prémio de consolação.
Onde tu pousas as mãos,
naturalmente
eu vou pousar as minhas. Um silêncio
faz-se pela casa, uma luz coada vem da janela
e cobre os móveis de uma poalha
doirada. Os objectos estão quietos
como nunca.
Onde tu pousas as mãos,
onde tu pousas mesmo se brevemente as mãos,
torna-se íntima a percepção que se tem de cada hora,
de cada amanhecer,
de cada exacto momento. O entardecer
é só um vasto campo que se abre,
um rumor de folhas que restolham no jardim.
Escrever é ler,
ler é escrever - eu sei isso
porque em cada sítio onde [do meu corpo] tu pousaste as tuas mãos
ficou escrito - eu vejo-o: nítido -
sobre o mais frágil espelho dos sentidos, uma palavra que se lê
de trás para diante. Quando te deitas eu sinto-lhe o perfume,
que é o da noite que entra pela janela.
E onde tu pousas as tuas mãos faz-se um rio
de prata e de quietude mesmo nas minhas mãos
que pousam onde as tuas foram antes procurar
a quietude, procurar as tuas mãos. São exactas as tuas mãos,
são necessárias, têm dedos
que são os filamentos de gestos que descrevem na penumbra
desenhos tão perfeitos que surpreendem.
Onde tu
pousares as tuas mãos
eu quero estar.
Exactamente como a sombra
cai na sombra. A água
na água. O pão
nas mãos.
Escreve sempre que precisares de me dizer
que há gelo nas tuas mãos e nas paredes do frigorífico.
Os legumes que trouxe ontem
não sobrevivem a mais do que uma geada,
muito menos nós.
Escreve sempre que precisares, podes
dizer-me outra vez que nunca houve inverno,
que este ano não há verão,
que estamos aqui e não estamos porque não sabemos
se somos nós ou se somos aquelas
quatro pessoas que vão à rua agora,
encontraram a porta certa.
Escreve sempre que precisares, faz
uma lista de compras, uma lista de desejos,
anota todos os pedidos que deixaste
em poemas atrasados.
Escreve sempre que precisares
de mais um postal com selo e carimbo.
Escreve sempre que riscares
na tua agenda mais uma morada.
Sempre que eu precisar vais devolver-me
uma caligrafia rebuscada que não é a tua,
curvas a mais que não fazias na letra d.
Já não há desses manuscritos,
só eu e os carteiros aprendemos a decifrá-los
(e toda a gente sabe que nem isso é verdade).
Vai escrevendo. Sempre que eu precisar,
as frases podem desviar deixas decoradas,
repetidas como as mentiras,
demasiado gastas para serem inócuas.
É noite nos meus olhos.
E nos teus ainda
se sente a água?
Cego vou para teus braços
e não sei quem és.
De amor por ti
nunca direi
ou se já cai a flor
da amendoeira. Nos mares
do rio a que me deito
navega o barco
dos fantasmas, eu por eles
quis crianças
e os outros corpos todos.
Nos meus olhos
é a clara noite, a água
sobe, amarras
esticam e protegem.
Teus olhos dizem
que estou a chegar
e não se importam
do que vou querer,
do que te falo. Afasto
os arbustos, vou
em pressa, prepara-me
o gesto de receber, abre
o teu vestido, a boca
sobre os pulsos
já a sinto. É a noite
toda nos meus olhos,
silvados que quebrei, domínios
por onde venci
a infiel maneira
de existir. Assim ergues
a pequena verdade, de amor
por ti nunca direi
como te quero.
Este perfume, hálito benigno, incêndio espectacular de crateras extintas, este perfume é a estrada dos teus cabelos, das tuas superstições, das tuas violências absurdas, mulher-noite, mulher de espinhos com a tua floresta de água salpicada de estrelas, estranha, opaca, a todos os túmulos única, a todos os títulos notável!
A tua voz desliza nos confins da geleira que é o teu corpo entre nuvens e ondas furiosas, recordação vingativa, bússola doida condenado o tempo. Este tempo, o nosso! Eu acredito no inacreditável. Haverá um tempo para os comboios de espuma e para os aviões de lama. E um outro tempo para as tuas mãos desenrolando os caminhos, para o reflexo da tua cabeleira imitando as marés, para a máquina giratória do teu sexo livre, para a fotografia do teu rosto em chamas.
Não há razão para queimar a esperança. O teu leito ainda está húmido de orvalho e os teus olhos ainda se negam aos Deuses. A realidade da tua nuca Evereste de gelos eternos, a carreira sem fim dos teus braços arco-íris circundando o meu corpo, a cordilheira da tua pele macia onde as minhas mãos se apoiam, são ainda o único motor para o looping no espaço, a única clareira onde o sonho floresce, a única estrada que só conduz a si mesma.
Eu digo-te que não há razão para queimar a esperança, esta esperança que tinge os teus lábios e vai contigo até ao fim dos abismos, êxtase delirante onde não existe o Presente e onde o Futuro é um espasmo violento, uma chama súbita em que eu e tu nos fundimos.
Não há razão para queimar a esperança, esta rubra mistura de sonho e lava, perfeitamente conjugada como um círculo em repouso. Tenho-te sempre nos meus braços, no meu ser, e por isso quando me debruço nos debruçamos no precipício olvidamos a nossa condição de indivíduos para sermos o fluxo e o refluxo da História.
Já não somos o que se classificaria de um homem e de uma mulher, mas sim uma multidão de sombras povoada de nuvens, a fusão de dois ácidos, a resolução de um problema.
Não esperes que te ajude o Cavaleiro
Andante ou - menos ainda - a música.
Cresceste demasiado, o teu corpo
não cabe no teu corpo e o amor
(ah, o amor) ajuda mas não salva.
- Vem comigo partir estes pinhões,
sob o esboroado cor-de-rosa das paredes.
Os cavalos, acredita, não te farão mal.
Depois das laranjeiras havia um tanque,
depois do tanque um jardim. Mas
de pouco te serve dizê-lo, agora que tratas
por tu a mais íntima distancia do que foste.
Eu queria descrever a mais simples das emoções
alegria ou tristeza
mas não como outros o fazem
invocando raios de sol ou chuva
Eu queria descrever a luz
que cresce dentro de mim
mas que não se assemelha
a nenhuma estrela
porque não é tão brilhante
nem tão pura
e é incerta.
Eu queria descrever a coragem
sem arrastar um leão de pó atrás de mim
e a ansiedade
sem agitar um copo cheio de água
dito de outro modo
daria todas as metáforas
em troca de uma só palavra
do meu peito arrancaria uma costela
por uma só palavra
sufocada dentro das fronteiras
da minha pele
mas aparentemente isso não é possível
e para dizer apenas – eu amo
ando às voltas como um louco
apanhando pássaros e pássaros com as mãos
e a minha ternura
que afinal não é feita de água
pergunta à água por um rosto
e a raiva
diferente do fogo
pede ao fogo
uma língua eloquente
e nada é nítido
e nada é inteiramente nítido
em mim
cavalheiro de cabelos brancos
separação de uma vez para sempre
e disse
isto está no poema
isto é o objecto
caímos no sono
com uma mão debaixo da cabeça
e a outra numa pilha de planetas
os nossos pés abandonam-nos
e provam a terra
com as suas raízes subtis
que despedaçamos dolorosamente
na manhã seguinte
Esta manía de saberme ángel, sin edad, sin muerte en qué vivirme, sin piedad por mi nombre ni por mis huesos que lloran vagando.
¿Y quién no tiene un amor? ¿Y quién no goza entre amapolas? ¿Y quién no posee un fuego, una muerte, un miedo, algo horrible, aunque fuere con plumas, aunque fuere con sonrisas?
Siniestro delirio amar a una sombra. La sombra no muere. Y mi amor sólo abraza a lo que fluye como lava del infierno: una logia callada, fantasmas en dulce erección, sacerdotes de espuma, y sobre todo ángeles, ángeles bellos como cuchillos que se elevan en la noche y devastan la esperanza.