um destes dias deu por si a pensar que ultimamente se sentia presa de palavras. daquelas que se dizem alto, em conversa com outros. e poderia dizer não consigo falar sobre isto ou sobre aquilo, sobre afectos, sobre política, sobre um filme ou música. mas não, não conseguia simplesmente dizer. e o pouco que dizia parecia-lhe desarticulado, sentia as palavras como coisa fora de si. elas fugiam-lhe sorrateiramente. sempre disseram de si ser uma boa ouvinte. era muito atenta ao ressoar dos outros, à linguagem do corpo e dos silêncios.
pensa que a linguagem é um músculo. que tem de o exercitar. e o certo é que não tem feito muito por isso. pensa que tem estado demasiado tempo presa ao indizível, a todas as tentativas de o dizer. sempre disse só para si. ainda assim, há muito tempo que deixou de se ouvir e fazer eco. e por isso, todas as palavras lhe parecem estranhas mesmo quando ficam por dizer.
encontra-se repetidas vezes sem direcção. não sabe do norte, do sul. confunde esquerda com direita. direita com esquerda. não sabe ler mapas e perde-se amíude por aí. quando habita por dias uma cidade estrangeira, faz questão de vaguear sem geografia. esquecer os pontos cardeais. depois, claro, fica com mazelas no corpo, com inchados tornozelos, com calos de ser perdida. da cartografia da cidade traz consigo as ruelas e becos que encontrou, perdidos, achados, numa esquina de si.
sair de si, sim. voltar a si para sair de si. voltar a si, sim.
Sem comentários:
Enviar um comentário