pj harvey | down by the water
sempre achou que de todas as estações do ano, era a estação da chuva a que melhor combinava consigo. gostava de vestir-se para esses dias. gabardine, botas e guarda-chuva. a este, preferia-o transparente, deixando à mostra as varas da sua construção.
mas do que mais gostava, era de fingir-se esquecida de todos os artefactos e de sair para a rua, chorando a sua existência de água. a chuva na nuca até às entranhas. e não podia passar longas temporadas sem ela, sentia-se como solo a precisar de ser regado.
reagia sempre com uma certa estranheza quando lhe diziam que a chuva era incómoda, que era chata. nessas alturas lembrava as galochas dos seus seis anos e o chapinhar nas poças de água. precipitação. queda. tempestade. sentia-se mais viva nos dias em que chovia. o que esperava mesmo era o inundar de cada fenda dos seus ossos contraídos. mais do que um fenómeno metereológico, havia dias em que a chuva era um estado de si.
lá no fundo acreditava que a seguir a um dia chuvoso talvez fosse mais fácil o florescer da tão anunciada primavera. e isso muito poucos viam nela.
por estes dias sentia-se enferrujada, como coisa que foi deixada demasiado tempo à chuva. precisava de descobrir o caminho para as manhãs de sol que começavam a romper em dias limpos a cheirar a malmequeres.