Queimar tudo. Alugar uma casa num lugar sem história na história da minha vida, um lugar de postais antigos, desbotados, e do passado guardar apenas uma urna de cinzas, no compartimento por baixo do lava-louças. Ver filmes sem mérito, ler livros sem arte, ouvir óperas cómicas e inêxitos impopulares e anacrónicos. Tentar, sem sucesso, pescar, e ir ao mercado comprar peixe miúdo e roupas com defeitos às ciganas. Ser anónimo por fora e por dentro, criança que não se conhece nem quer conhecer e que procura apenas o início e o fim dum carreiro de formigas, revelação suficiente para quem ainda não desperdiçou a vida a perscrutar os gloriosos fundos de um oceano de merda. Beber pouco. Foder com a moderação que a improbabilidade do diálogo impõe. Emular os pioneiros americanos, pecadores em busca de recomeço e horizonte, longe das catedrais e de si próprios, longe dos quiromantes e das sibilas e, sobretudo, da inexorável morte do amor.
Miguel Martins
(passaram dois anos e eu ainda espero um lugar sem história.)
1 comentário:
eu fatalista, chocado com o fatalismo
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