segunda-feira, 30 de março de 2015

Esta é a hora das minhas confidências
















jeff buckley | hallelujah

Esta é a pressão de uma mão tímida, este é o aroma dos cabelos que esvoaçam,
Este é o roçar dos meus lábios nos teus, este é o murmúrio do desejo,
Esta é a profundeza e a altura distantes reflectindo o meu próprio rosto,
Esta é a meditativa fusão de mim próprio, e a saída outra vez.

Achas que tenho algum propósito obscuro?
Sim, tenho, como o têm as chuvas do quarto mês, e o tem a mica sobre as rochas.

Pensas que quero assombrar?
A luz do dia assombra? O pisco-ferreiro madrugador que chilreia nos bosques assombra?
Eu assombro mais do que eles?

Esta é a hora das minhas confidências.
Talvez não as faça a todos, mas a ti farei.

Walt Whitman 

terça-feira, 3 de março de 2015

Oh my mama, she gave me these feathered breaths













alela diane | oh my mama

Na noite anterior ao primeiro dia sem ti não consegui dormir. Olhava para ti como quem protege um tesouro abandonado, na esperança de conseguir decorar as tuas mãos pequeninas ou guardar no peito os teus suspiros, de olhos fechados. De vez em quando sorris e é tão bom. Agora já não choras por causa dos pesadelos mas, ainda assim, deixo-me ficar acordada. Gosto de ver-te assim sossegada. Porque é nestas alturas que o meu coração encontra algum tempo para se acalmar. O corpo ainda se arrasta de cansaço em cansaço, a cabeça não dá tréguas e exige e comanda e ordena. O corpo implora descanso, o coração estica e alarga e inunda tudo. A razão, quase sempre, foge para sítio incerto e não cala tudo o que não se deve dizer. Deixei de escrever. Espero, um dia, escrever para ti. Resgatar todas as palavras bonitas, todos os valores indispensáveis e todas as alegrias possíveis. Mas o carrossel não pára de girar. Sinto, invariavelmente, o tempo a escorrer entre os dedos, como areia fina. E não adianta atrasá-lo. Sabes, filha, todo o bem que te quero não cabe ao certo dentro de mim, é mais avassalador que um tropel de cavalos ou um manancial de emoções. E sim, tu és a fonte. No primeiro dia sem ti eu só queria fugir dali. Não senti que era mais forte, por ti. Senti que tinha de ser, que é assim que a vida corre, que o mundo não se compadece de quem traz o coração nas mãos. No primeiro dia sem ti, chorei. E surgiu, implacável, na minha cabeça esta dúvida: se sou tão feliz contigo, como é que posso chorar? No segundo dia sem ti, jurei não pensar tanto. Mas até hoje ainda não cumpri. E ainda choro, e chorarei.