quinta-feira, 19 de julho de 2012

Um ano: um diário destes não magoa

jeff buckley | new year's prayer


Todas as palavras,

as que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração, e não reconheci,
ou desistiram e partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e substantivos de que
por um momento foi feito o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.

Manuel António Pina


(um ano de palavras. desprendendo-se longamente de mim.)

4 comentários:

je suis...noir disse...

Que hajam mais: anos e palavras!:)

ana disse...

parabéns e obrigada!
bj*

maria joão moreira disse...

um diário assim... provoca dependência a quem o lê! que nunca te faltem as palavras. Parabéns!

josé luís disse...

completada a risonha translação solar,
espera-se que mantenha uma órbita elíptica

(...e obrigado pela viagem)