segunda-feira, 9 de abril de 2012

Os amantes com casa


















marianne faithfull  | this little bird

Andavam pela casa amando-se no chão e contra as paredes. Respiravam exaustos como se tivessem nascido da terra, de dentro das sementeiras. Beijavam-se magoados, até se magoarem mais. Um no outro eram prisioneiros um do outro, e livres libertavam-se para a vida e para o amor. Vivendo a própria morte voltavam a andar pela casa amando-se no chão e contra as paredes. Então era a música, como se cada corpo atravessasse o outro corpo e recebesse dele nova presença, agora serena e mais pobre mas avidamente rica nessa pobreza. A nudez corria-lhes pelas mãos, onde tudo é branco e firme. Aquele fogo de carne era a carne do amor, era o fogo do amor, o fogo de arder amando-se por toda a casa, contra as paredes, no chão. Se mais não pressentissem bastaria aquela linguagem de falar tocando-se, como dormem as aves. E os olhos gastos por amor de olhar, por olhar o amor. E no chão contras as paredes se amaram e pela casa andavam como se dentro das sementeiras respirassem. Prisioneiros libertados, um no outro eram livres e para a vida e para o amor se beijaram magoando-se mais, até ficarem magoados. E uma presença rica, agora nova e mais serena, avidamente recebeu a música que atravessou de um corpo a outro corpo chegando às mãos onde toda a nudez é branca e firme. Como uma carne de fogo, incarnando o amor, incarnando o fogo, contra o chão das paredes se amaram, pressentindo que andando pela casa, bastaria tocarem-se para ficarem a dormir, como acordam as aves. 

Joaquim Pessoa