Tínhamos o sol por perto. Lembro-me bem: a rua subia a pique, o rio ficava para trás. A minha respiração compassada com a tua, os nossos dedos enlaçados e eu a dizer: tenho o coração nas mãos. Um pesado fio de cobre que balançava no meu peito e eu a segurá-lo – firme – enquanto caminhávamos apressados pela cidade. E tu a não acreditares e eu depois a rir muito porque tudo soara banal, como uma daquelas frases românticas saídas de um êxito de bilheteira bacoco. Eu, diante de ti, sem saber mas a sentir
– o coração a bater descontrolado. Sabes, amor, se eu te dissesse que as tuas mãos fazem nascer em mim flores, rios inteiros, e que o cheiro dos dias não é o mesmo sem ti, é vertigem insaciável, uma sensação tão boa quanto assustadora, de princípio e de fim, agora e sempre, e este medo que me acompanha à noite quando paro para pensar e o teu calor a derrubar muros, fronteiras, monstros à solta e tudo isto com um sorriso, e tudo isto – amor – porque agora insisto em guardar aquele coração numa caixa, nem sei bem porquê, não sei bem como, não sei bem onde. Se ainda ao menos eu conseguisse puxar-te para mim, olhar-te nos olhos, e dizer (porque é verdade) que o teu corpo é a minha casa: assim, devagar. Perdoa-me a vergonha. Contigo aprendi a viver urgentemente e deixei os grandes detalhes – como as arrumações e as desculpas ensaiadas na ponta da língua – para as fadas ou para o pó. Sabes, se um dia quiseres partir, eu hei-de fugir para longe. Não sem antes desenhar declarações de amor desajeitadas nas tuas costas. Isto porque as palavras só me nascem nas mãos, enquanto conto os dias no calendário para te beijar. Tudo isto, amor, enquanto o rádio sussurra a mesma canção e algum Deus, que eu finjo não acreditar, conspira desejos e segredos, aproximando-nos a cada instante, sempre mais. Como no dia em que te vi pela primeira vez, ainda não podias tu sequer sonhar comigo.
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