segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Essa palavra incerta quase a rimar contigo



the smiths | i know it's over

deixo acesa, mas muda, a tv que derrama
uma luz submarina sobre a cama desfeita,
o corpo imaginado em que dormi.
Toda a noite esperei que me chamasse
a pancada das mãos numa mesa de galo,
ou do baralho gasto me saísse,
na lotaria universal, essa palavra incerta
quase a rimar contigo; e já
me esgueiro pelas frinchas da janela,
disperso na manhã leve e tranquila
como uma sombra mais incandescente.
Fora, a piscina do mar está lisa e fina
e apetece subir, pelas colunas de ar, ao céu
do deus desengonçado, ameaçá-lo
com a ignorância humana, a indiferença, a morte,
as coisas que não sabe nem pressente:
como um vampiro se não vê ao espelho,
como lobos vulgares são gente humana,
como os devora a imagem nunca vista,
como sempre se enganam a caminho
de um vago coração adormecido.

António Franco Alexandre

2 comentários:

josé luís disse...

eu, que «sou alguém que espera ser aberto por uma palavra», adorei a ligação dos smiths à palavra incerta.
;)

Vanessa disse...

caramba... pensava que ninguém ia chegar lá... mas a intenção foi essa, sim. :)

beijo*