you said, well never mind,
we are ugly but we have the music
Mostraste-me as fotografias. Disse-te então que a minha memória se esfumou algures num lugar muito distante aonde não consigo chegar neste momento. E tu foste buscar uma grande caixa de papelão onde guardavas bilhetes de concertos, - quando ainda não eram todos iguais e era um orgulho mostrá-los a toda a gente - músicas gravadas em cassetes religiosamente etiquetadas, panfletos de festas às quais calhámos de ir juntos, e os teus cadernos antigos onde eu tinha rabiscado um poema qualquer. Até a caligrafia está diferente, vê lá, tão mais caótica agora. E essas fotografias!, como eu ria tanto, meu deus! Tu tinhas sempre aquele brilho nos olhos que me parecia indestrutível. Éramos tão diferentes naquela época. E eu não consigo acreditar que foste lendo tudo o que escrevi aqui nestes anos que passaram, em silêncio. A memória atraiçoa-nos mesmo, fico feliz por ter à mão este diário mas esqueço-me muitas vezes de que não é só meu. Sabes, no dia em que te encontrei no café tinhas um livro que eu já tinha lido em cima da mesa. Olhavas pela janela enquanto escrevias qualquer coisa nas folhas gastas do caderno. Devias estar a pensar em viagens: o olhar pareceu-me o mesmo, igual, tão sonhador como antes. Foi assim que te reconheci. Também gostei desse livro: a conversa correu a partir daí. Continuo sem conseguir compilar quase dez anos de ausência, num discurso coerente e sem sobressaltos, para te contar o que me aconteceu. Esqueci quase tudo. Mas tu mostraste-me tudo o que tinhas guardado - ainda que doa - para que eu também me lembrasse, contas histórias daquele tempo para que eu recorde tudo outra vez. Aos poucos, as lembranças aparecem. Tínhamos tantos planos: viagens, sonhos por realizar, gargalhadas por tudo e por nada. Tu rias sem fazer barulho, isso eu lembro-me bem. Nunca conheci ninguém que se risse tanto sem fazer qualquer barulho. Achava isso incrível, logo eu, que tinha uma gargalhada tão espalhafatosa. Olha, agora aprendi a rir baixinho, acreditas? E tu já não ris. Apenas com os olhos. Ontem mostrei-te uma música que descobri e que não parei de ouvir o dia todo. Cantei-a pelos corredores daquele edifício cinzento que nos faz reféns dos nossos sonhos: i can be ugly. E tu ouviste, e sorriste sem dizer nada. Hoje de manhã tinha esta música na caixa do correio. E, caramba, nem sequer te tinha dito que vi o documentário da little girl blue fez dois dias hoje e que também contava das noites no chelsea hotel. Deu-me uma vontade incontrolável de voltar a escrever aqui mais uma vez, para depois não me esquecer disto. Se leres, ao menos diz olá. Sabes, é só para dizer que não aguento muito bem tantas coincidências, ou sinais, o que lhe quiseres chamar, na minha vida. Agora já não. Mas isso tu sabes. Olha, e obrigada por tudo. É só.
2 comentários:
eu não acredito em coincidências :)
Olá! :)
D.
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