O meu pai doente de sonhos
no asfalto incandescente de cem mil meios dias caminhados
debaixo do sol na vertical
perdeu os pés
rastejando com os joelhos continua à procura
do caminho de volta para casa.
O meu pai sonha,
derrotado pelo cansaço,
que volta à sua terra, planta as pernas e que lhe crescem pés jovens
e que a seiva da sua terra negra lhe alivia a dor das rugas
e lhe ressuscita os cabelos mortos.
Depois acorda num andar alugado na cidade dos furacões da miséria
e blasfema e maldiz e não tem amigos.
Escondido na noite
o papá chora pelas certezas que o defraudaram.
Do outro lado da sua pele
a mamã chora pela mamã
a mamã chora pela casa onde já não mora
e por paz e descanso e riso.
O papá e a mamã choram
cada um de costas para o outro na cama
no mais cru estrondoso formoso silêncio
que modula em frequências infra-humanas
sons que se articulam como palavras:
“se aqui não estão os meus sonhos
como posso dormir aqui?”.
Apenas eu os ouço
com a cabeça enterrada na almofada.
Concebida da nostalgia
nasci com lágrimas no sexo com terra nos olhos com sangue na cabeça.
Não sou o que sonharam
nem as suas vidas o são.
Miriam Reyes
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