Uma criança disse: «Quando eu crescer, vou cortar as flores grandes para não haver vento.»
Largas crianças amarelas nos parques podres. Amarelas como os inquilinos das luzes. Como os lugares culpados da maior existência de Deus.
As crianças tremem com a mão dentro do movimento.
Uma criança disse: «Um anjo é uma gaivota.»
«Um anjo é um homem como os outros, o que é, tem asas.»
E outras: «Um anjo é um pássaro cantador.»
«Um anjo é uma andorinha. Tem uma coroa.»
«Um anjo é um homem que tem o sol pendurado atrás da cabeça.»
E uma outra sonhou que tinha engolido o sol.
Crianças trespassadas pela sua própria exactidão.
As orelhas das crianças servem para as pedras serem pedras que ouvem. Pedras plurais.
Os livros com crianças delirantes, as paisagens na voz.
Crianças são as letras antigas com que se escreve a única palavra insuportavelmente viva.
Uma criança disse: «Olha a minha sombra natural exactamente branca.»
A mesma: «Era um tempo decisivo, assim como uma casa cheia de lobos.» E contou a seguir uma história em que tudo tinha a cor verde, desde as pessoas aos animais e objectos. O próprio ar era verde.
As crianças são uma verdade impraticável.
As crianças começam a construir, tijolo a tijolo, suas mães monumentais. Depois partem para os pensamentos como para uma ascendente morte aos degraus.
Uma criança disse: «Dá-me aquele ramo de estrelas maduras.»
Herberto Helder
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