Senhor
a gaiola transformou-se em pássaro
e voou
e o meu coração está louco
porque uiva à morte
e sorri por detrás do vento
aos meus delírios
Que hei-de fazer com o medo
Que hei-de fazer com o medo
A luz já não dança no meu sorriso
nem as estações queimam pombas nas minhas
ideias
As minhas mãos despiram-se
e foram até onde a morte
ensina os mortos a viver
Senhor
o ar castiga-me o ser
Por detrás do ar há monstros
que bebem do meu sangue
É o desastre
é a hora do vazio no vazio
é o instante de aferrolhar os lábios
Ouvir gritar os condenados
contemplar cada um dos meus nomes
enforcados no nada
Senhor
eu tenho vinte anos
e também os meus olhos têm vinte anos
e no entanto não dizem nada
Senhor
eu consumei a minha vida num instante
Estalou a última inocência
Agora é nunca ou jamais
ou simplesmente foi
Porque é que não me mato defronte a um espelho
e desapareço para ressurgir no mar
onde me havia de esperar um grande navio
com as luzes acesas?
Porque é que não arranco as veias
e faço com elas uma escada
para subir ao outro lado da noite?
O princípio deu à luz o final
tudo permanecerá igual
os sorrisos gastos
o interesse interessado
as perguntas de pedra em pedra
os gestos que arremessam o amor
tudo continuará igual
E no entanto os meus braços insistem em abraçar o mundo
porque ainda não lhes ensinaram
que já é demasiado tarde
Senhor
Atira os cadáveres do meu sangue
Recordo a minha meninice
quando eu era uma anciã
as flores morriam nas minhas mãos
porque a dança selvagem da alegria
lhes destruía o coração
Recordo as negras manhãs de sol
quando era menina
quer dizer ontem
quer dizer há séculos
Senhor
a gaiola transformou-se em pássaro
e devorou-me a esperança
Senhor
a gaiola transformou-se em pássaro
Que hei-de fazer com o medo?
Alejandra Pizarnik
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