devotchka | how it ends
sketches for my sweetheart the drunk
um diário destes não magoa
sexta-feira, 17 de junho de 2022
How it ends
devotchka | how it ends
terça-feira, 5 de outubro de 2021
O medo
Às vezes sinto-me tão desesperado que me
sento a escrever como quem chora.
Eugénio de Andrade
Fechas os olhos e tens cinco anos outra vez, trincas as bochechas como quando tens medo, cerras os punhos e esperas que passe mas o coração bate cada vez mais depressa, a voz não sai, tens um nó na garganta e sabes que ninguém te pode ajudar. Passaram os anos e tu aprendeste a esconder tudo debaixo do tapete. Até que o desespero te faz gritar em fúria as palavras que julgaste esquecer. Às vezes recusas olhar para dentro porque tens vergonha do que te tornaste. Um monstro. E só a escrita te salva.
segunda-feira, 5 de julho de 2021
Quando calada, a voz é já o começo de um grito
Colecionámos viagens, roupas, postais, pétalas... Um sem número de objetos, paisagens, sonoridades... O efémero. Basta um gesto simples e o castelo da infância desfaz-se, depois é só empacotar a coleção. Retirar as marcas dos pregos das paredes, disfarçar a tinta arrancada. Há restos que se varrem para debaixo dos tapetes. E, só mais tarde, algum tempo depois dos castelos ruírem, é que se aspiram as últimas migalhas dos escombros.
Dizem-nos que as casas são espaços, com janelas e portas, corredores, quartos e objetos que diariamente acumulamos à vista de quem nos visita. Isso é o que facilmente nos ensinam, e aprendemos sem interrogar muito o universo. Ainda assim, escondem-nos a verdade mais antiga. As casas são os corpos. O meu e o teu. Aconchegados, onde quer que haja telhado, ou céu, que nos traga frio e sol à pele. Estamos permanentemente em fuga às evidências. Se isto fosse uma lição capaz de ser ensinada, começaríamos, ao primeiro encontro, por destruir todo e qualquer prenúncio de alicerce. O teu corpo, a minha casa.
Dei-me conta de que todos os poemas inacabados são para ti. Inacabados porque há palavras suspensas nos braços, nos sorrisos, nos olhos. Há palavras suspensas nos lábios. Eu quero que os poemas fiquem inacabados para que as palavras continuem suspensas. À tua espera.
O teu sorriso segura-me antes de eu chegar ao chão.
domingo, 27 de dezembro de 2020
Everybody's gotta learn sometime
um destes dias deu por si a pensar que ultimamente se sentia presa de palavras. daquelas que se dizem alto, em conversa com outros. e poderia dizer não consigo falar sobre isto ou sobre aquilo, sobre afectos, sobre política, sobre um filme ou música. mas não, não conseguia simplesmente dizer. e o pouco que dizia parecia-lhe desarticulado, sentia as palavras como coisa fora de si. elas fugiam-lhe sorrateiramente. sempre disseram de si ser uma boa ouvinte. era muito atenta ao ressoar dos outros, à linguagem do corpo e dos silêncios.
pensa que a linguagem é um músculo. que tem de o exercitar. e o certo é que não tem feito muito por isso. pensa que tem estado demasiado tempo presa ao indizível, a todas as tentativas de o dizer. sempre disse só para si. ainda assim, há muito tempo que deixou de se ouvir e fazer eco. e por isso, todas as palavras lhe parecem estranhas mesmo quando ficam por dizer.
encontra-se repetidas vezes sem direcção. não sabe do norte, do sul. confunde esquerda com direita. direita com esquerda. não sabe ler mapas e perde-se amíude por aí. quando habita por dias uma cidade estrangeira, faz questão de vaguear sem geografia. esquecer os pontos cardeais. depois, claro, fica com mazelas no corpo, com inchados tornozelos, com calos de ser perdida. da cartografia da cidade traz consigo as ruelas e becos que encontrou, perdidos, achados, numa esquina de si.
sair de si, sim. voltar a si para sair de si. voltar a si, sim.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
A única inocência é não pensar
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
A história mais bela que conheço
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o pardo conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.
Amalia Bautista
*
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
Da solidão
terça-feira, 26 de maio de 2020
One day i will find the right words, and they will be simple *
Desde que me lembro de ser gente, desde que tomei consciência do meu rosto triste nos espelhos, tento ter uma atitude comedida - todos os dias - uma espécie de tentativa inglória para agradar a toda a gente, sem exceção - a todos, menos a mim mesma. Por vezes deixo escapar algum gesto exagerado das mãos, ou algum esgar infantil que ainda sobra dos dias inocentes de leite e bolachas de canela da minha avó. Tenho alturas de ouvir vozes quase imperceptíveis numa espécie de sussurro, que imediatamente me impelem um silêncio forçado. Por isso, assumo toda a culpa do que me acontece e deixo-me ficar petrificada, de olhar perdido, enquanto a maior parte das vezes deixo a água escorrer veloz na banca do lava-loiça. Sabes, desde sempre odiei (sim, eu sei que é uma palavra muito forte) tons de voz que subiam, ou movimentos demasiado bruscos devido a uma família sentimentalmente ruidosa. E eu, desde a infância, mesmo quando ficava muda e com as mãos a tapar os ouvidos num canto aleatório da casa, esmagada por todo e qualquer barulho, sentia a opressão de uma vida sem silêncio a crescer dentro de mim, onde qualquer movimento se transformava numa tragédia anunciada aos quatro ventos ou tudo parecia tornar-se palco de palavras violentas e surdas. Talvez entendas agora: assim fui aprendendo aos poucos a calar, a falar pouco e, depois de refletir, a nunca ter pressa para falar, a prolongar o mais possível os meus tempos de reação preenchendo-os com olhares de perplexidade e sorrisos de incerteza perante a realidade que sempre conheci. Depois foi muito fácil acomodar-me na dormência dos dias e deixar-me levar - durante décadas - por uma apatia aparentemente confortável e acolhedora, essa paz podre que nada questiona.