segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Do silêncio











joan shelley | siren 

O que não é dito corrói-nos por dentro, faz-nos crescer um nó indecifrável na garganta. Achámo-nos pouco dignos das palavras, guardámo-las a sete chaves, como se fossem preciosas e tivessem de ser ditas no tempo certo. E depois o momento passou, ninguém nos diz que o tempo certo não existe. Sabemos eventualmente que somos especiais, mas nada é dito, até que nos esquecemos do que somos e nos recolhemos no silêncio e num passado de mágoas. Um silêncio ensurdecedor, maligno, impuro, que tudo leva e tudo arrasta. E depois chega alguém que te desperta desse transe, que tu reconheces no meio do caos, alguém disposto a trazer-te de volta. E tu simplesmente não sabes como porque enterraste o passado lá atrás e tocar nessa ferida dói demais. Continuas a viver escondida naquele canto da casa, atrás da porta, sem pedir socorro. Aprendeste a viver nas aparências da normalidade, a fugir das perguntas com um sorriso. A responder com outras perguntas. Para não pensares naquilo em que te tornaste: uma mentira. Quando olhas ao espelho não te reconheces. Dizes: olha em frente, haverás de te encontrar algum dia. Então porquê o medo? Voltaste à criança assustada para descobrires que estás presa num labirinto de memórias más. A coragem ficou lá atrás? Onde estás? O que aconteceu aos teus olhos? Dás graças todos os dias por teres encontrado alguém verdadeiro a quem podes abrir o coração, mesmo que o julgues de pedra, quase morto, sem valor. E essa pessoa não sabe, e tu pensas que sim porque assumes que sabe, só pode saber. E ele diz-te sempre que as palavras contam, que são importantes. E são. Então porquê este nó na garganta se o que tu mais queres é falar e gritar ao mundo: tu encontraste-me e vês-me como sou, contigo eu perco o medo? Camuflada tantas vezes essa dor que te achaste apenas a seguir um caminho escolhido pelos outros, sem coragem de dizer: eu sinto, eu estou aqui. Tantas vezes rezaste para não darem por ti a chorar que te tornaste invisível a ti própria. Alguém triste que acha que talvez não mereça amor, que não conhece amor, por todos os muros que criou e não sabe como os derrubar. Só para que nunca te vissem chorar. Existe cobardia maior que esta? Não creio.